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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Círio de Nazaré

Capítulo 1: A Trasladação

O Círio de Nazaré , em devoção a Nossa Senhora de Nazaré, é a maior manifestação religiosa Católica do Mundo e uma das mais tradicionais também,sendo celebrada desde 1793, na cidade de Belém do Pará...

Bem, isso é o que diz a Wikipédia, mas é uma visão muito global, muito de cima e você pode continuar lendo sobre o que ela diz à respeito do Círio aqui.Porém, vou contar-lhes algumas coisas que a Wikipédia talvez não saiba, uma visão de um fotógrafo e sua câmera, bem lá no meio da multidão, fotografando, sendo pisoteado, amassado, roubado, presenciando cenas emocionantes (outras nem tanto), e por aí vai.

Mas, pra início de conversa, o que diabos eu estava fazendo lá?
Bom, eu estava fotografando, mas não me meteria em tanta roubada se eu não estivesse lá profissionalmente. Estava fazendo a cobertura fotográfica do Círio para o SBT Belém, o que me permitiu ter acesso à roubadas mais privilegiadas por conta da credencial.

Pois bem, a festa, em toda sua magnitude, acontece mesmo é no Domingo, mas tudo começou ainda no sábado, na Trasladação, procissão que acontece na noite anterior do grande dia.
Até que eu saí de casa bem cedo pra chegar no local de onde sai o traslado à tempo, mas, depois de algum tempo fora, eu esqueci que a cidade fica praticamente ilhada, o que quer dizer que meu ônibus não chegaria nem perto de me deixar perto do local.
Acabei descendo num local que, segundo o Google Maps, fica à 3km da casa da minha tia Inalda, onde deveria deixar minhas coisas pra mais tarde dormir lá mesmo. Fui caminhando com meu primo Cauê até lá.
Chegando lá me recompus com alguns litros de água e segui para o local de onde sairia a trasladação. O Cauê ficou na Praça da República vendendo os discos de vinil da tia Lia com a imagem da santa.

E lá fui eu, descendo a Av. Nazaré, todo empolgado, pobre e inocente jovem mancebo que não conhece os desprazeres da vida e do mundo. Logo me deparei com o primeiro problema: lá na altura da quintino a passagem já estava impossível, pensei "genial! Perdi a saída da santa!", mas tudo bem, fui logo consolado ao ver um praticável (espécie de andaime minúsculo) do SBT logo ali. Devidamente credenciado eu tive rápido acesso.

Cinegrafista do SBT no praticável
Fiel sendo socorrido
Mais um atendimento
Distribuição de fitinhas de recordação

Valiosa água



Tempo passa. Lá bem longe eu já podia ver a imagem iluminada, mas muito lenta nesse trecho especificamente. Foi quando fui brindado com um show de fogos que acontecia no Colégio Nazaré, creio eu.





A passagem da Berlinda pelo Largo


Alguns minutos depois se deu algumas das desventuras em série mais tensas que eu já havia presenciado.
Com a aproximação da imagem, e consequentemente da maior concentração de pessoas eufóricas descontroladas, uma onda de pessoas que eu gostaria muito de ter esganado começou a tentar levar o praticável, foi realmente tenso, os ferros rangiam e o troço balançava demais, eu olhava a cara dos cinegrafistas na esperança de ser tranquilizado, mas surtia justamente o efeito contrário, pois os mesmos estavam boquiabertos e apavorados, então, pensei: Genial! É agora que eu morro, sem nem ao menos ter conhecido o Japão, completado minha coleção de Vagabond, ou comprado minha 70-200mm".
Aproveitando que a imagem estava bem na minha frente, tirei as últimas fotos rapidamente. Olhei pros meus companheiros e disse: Bom, cês fiquem aí, que eu tou pulando fora.

A Imagem na Berlinda
Mas só saí de um problema pra entrar em outro. Desci bem no meio da maré descontrolada, e de repente o praticável que antes parecia um misto de sentença de morte certa e inferno, agora me parecia o paraíso, praticamente um remanescente do Jardim do Éder.
Fiquei literalmente espremido por uns 20 minutos, sem ter conseguido avançar míseros 10 metros. O tripé, até então pendurado pela alça no meu pescoço, mostrou-se uma armadilha traiçoeira, pois algum infeliz que provavelmente também estava por morrer, resolveu se segurar no tripé, fui estrangulando por alguns segundos antes de torcer o braço daquele ser desafortunado e me desvencilhar de mais uma morte certa.
Uma vez fora da multidão, me senti aliviado, mais leve, na verdade mais leve do que desejava. Apalpei meu bolso de trás e tive uma surpresa: cadê minha carteira?
Imediatamente pensei em ligar pro meu tio que provavelmente jazia ali perto e perguntar o que eu faria, apalpei o bolso da frente pra tirar o celular e tive mais uma surpresa: cadê meu celular?
Fiquei desolado, só a imagem da minha câmera, ainda inteira, me consolava. Esbocei alguns sorrisos de alívio para ela  e caminhei de volta para a casa da minha tia, não tinha mais condições psicóticas psicológicas de continuar fotografando.
Mas enquanto caminhava de volta ainda deu pra pegar algumas coisas, como essa garota espremida, lutando pra manter-se segura na corda.






Capítulo 2: O Círio
Domingo, pela manhã, acordei cedo, tomei o café da tia Inalda e saí rumo à procissão. Inicialmente tive a ideia de ir ao mesmo praticável da noite anterior, o da esquina da Av. Nazaré com a Quintino. Mas, mais uma vez, na altura da praça da república, eu fui barrado pela multidão.
Avistei um praticável do SBT bem no finalzinho da Av. Presidente Vargas, resolvi subir nele. Percebi que tive uma visão simplesmente demais, a Av. Nazaré perdendo de vista num mar infinito de gente. Com um diafragma bem fechado e uma boa profundidade de campo daria pra pegar de jeito esse mar de gente.
Fiz algumas fotos dali mesmo, enquanto esperava a passagem da imagem.
Mar de gente - Av. Nazaré
Encontro da Av. Nazaré com Serzedelo Correa e Presidente Vargas
Jovem sendo socorrido pela Cruz Vermelha
Promesseiro e seu barco
Com muita velocidade e um diafrágma bem fechado deu pra destacar somente a luz do sol por uma fresta nas mangueiras


Esse era meu segundo encontro com a imagem e nunca conseguia pegá-la de frente. Em algum momento, quando ela estava bem na minha frente (porém de lado) eu cheguei a implorar em voz baixa: dá uma viradinha, dá, santinha. Aquele olhar 43 que só a senhora sabe dar, com aquele sorriso. Curiosamente ela nunca me ouve, desconfio que aquele vidro da berlinda seja à prova de som. Foi quando ouvi uma voz feminina me chamando, chamando pelo nome, parecia bem perto, quase na minha nuca, parecia inacreditável, a santa tinha ouvido minha voz, olhei pra trás só pra ter certeza... era minha tia Laura que, ao lado do Ronaldo, seu marido, gritava meu nome na esperança que eu a avistasse na multidão. Olhei a imagem de novo, ela continuava de lado... me conformei.
A Berlinda na Presidente Vargas
A imagem sendo homenageada por um coral
A Berlinda em frente à Praça da República
Gritei pro Ronaldo e tia Laura me esperarem, pois iria descer rumo à Basílica de Nazaré com eles.
Tirei mais algumas fotos da imagem (agora de costas) com o túnel de mangueiras da Av. Nazaré como fundo.

Berlinda saindo da Presidente Vargas

Berlinda Entrando na Av. Nazaré
Ronaldo (camisa verde e chapéu branco) e tia Laura (mulher espremida do lado dele)
 
A tia Laura e o Ronaldo não foram os únicos conhecidos. Ao redor da imagem, como um dos elos da corrente humana feita pelos fuzileiros navais, estava o Augusto, velho amigo. Pediu pra que eu tirasse uma foto dele no meio do sufoco.
Augusto protegendo a Berlinda
Desci do praticável, segui com a tia Laura e o Ronaldo pela Brás de Aguiar (paralela a Av. Nazaré), ultrapassamos a santa e voltamos para a Av. Nazaré mais lá embaixo, já quase no Colégio Nazaré.
Nesse trecho a procissão estava mais light, dava até pra andar. 
Em uma sacada do Colégio Nazaré eu avistei aquele padre cantor que as mulheres insistem em ignorar seu posto... não o de cantor.
De branco, Padre Fábio de Melo
Fiz mais algumas fotos. Promesseiros, pessoas brigando pra pegar um pedaço da  Corda do Círio, crianças vestidas como anjos (não que eu saiba como um anjo se veste) etc.
Garotinha vestida de anjo

Garotinho vestido de anjo

A disputa por um pedaço da corda

O troféu

Pra aliviar o calor

Pra tudo na vida tem um jeito

Pra tudo na vida tem um jeito²


Cheguei ao ponto onde só passava pessoas de joelho,  a Cruz Vermelha (não a cruz em si) e a impressa credenciada, o que me dava muito espaço para fotografar o primeiro tipo de pessoa.
Rilson, o promesseiro
Ainda o Rilson
Promesserios

Senhora sendo socorrida


Fiz mais algumas fotos lá dentro, no tapete vermelho. Esperei a imagem mais uma vez. Dessa vez ela não demorou muito. E dessa vez, nosso terceiro encontro, consegui pegá-la bem de frente.






E brotava promesseiro no tapete vermelho.








Ouvi um helicóptero, olhei pra trás e ele estava em cima da Basílica.

Basílica de Nazaré


Terminada a festa, voltei para a casa da tia Inalda pra pegar minhas coisas. Tomei um taxi até a tia Lia que estava no meio do caminho e de lá seguimos pro almoço do Círio na casa da tia Graça.
Maniçoba, Pato no Tucupi, Porco Assado, Creme de cupuaçu e uma barriga cheia, quase explodindo... Olha, devo lhes confessar: até que não terminou tão ruim... fora o fato de eu ter a impressão de ouvir meu celular tocando a velha guitarra havaiana do Bob Esponja, mas quando penso em correr pra atender...

7 comentários:

  1. Muito bacana, Phelipe..Emocionante seus dramas sobre o praticável ...

    E seus documentos estavam na carteira ? Já fez o BO ?

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  2. Meu querido Grande Fotógrafo que sou fã total...PARABÉNS pelas lindas fotos e belo texto, Dá pra ir do choro ao riso com seu texto. SUCESSO sempre e sempre! :*

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  3. olha, no final de tudo, se serve de consolo, te digo que essas fotos estão incríveis! (se eu disser que valeu a pena todo esse sofrimento vai ser sacanagem né? aheoiaheo) O rapaz tem talento, isso que importa!

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  4. Que aventura, Phe!

    Pelo menos terminou com muita comida gostosa. =P

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  5. quer dizer que entre mortos e feridos só morrem a carteira e o celular!
    O que com essas fotos te faz estar no lucro!
    lindas fotos.
    PArabéns por enfrenta uma aventura que não é la muito do teu gosto! rsrsrs

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  6. Obrigado a todos por terem perdido um cadinho do seu tempo de vida útil lendo este modesto.

    Seu paulo, ainda não fiz o bo, pretendo resolver isso logo. Valeu pela visita!

    Nathy, pior que valeu, viu? É um prazer indecritível quando tou fazendo isso... tenho orgasmos intelectuais a cada foto que sai como planejado. Adoro fazer amor com minha câmera =D

    Comida boa, Las! Comida muito boa :D

    E valeu, Andréia, didinha e Fania ;D

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