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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Sobre Tempestade, Orquestra e Final Feliz.

A primeira regra do Clube da Luta é: você sempre avisa a alguém quando for sair sozinho em mar aberto.
A primeira regra do Clube do Caiaque é: você não fala sobre o clube do caiaque.

Eu devo ter confundido as regras, por isso me vi sozinho em um caiaqe minúsculo, a alguns bons kilômetros da costa, no meio de uma tempestade... e até lembrei do velho amigo JC (Jesus, pros menos chegados)
Mas palma, palma, não primemos cânico!

Quem me conhece sabe da minha fixação por raios e tempestades de todos os tipos e sabores, se você não sabe, então não me conhece, não tenha a pachorra de desmentir-me em meu próprio blog!

Acontece que no último Sábado eu vi formando no horizonte uma senhora tempestade, que não é senhora por ser de idade, mas por ser digna de respeito, muito parecida com  de duas semanas antes.

Tempestade de duas semanas antes.
Logo me aprumei, catei equipamento aqui e ali pela casa, porque sou mancebo demasiado organizado, veja você.
Depois de um longo alongamento (longo alongamento? Pode isso, Arnaldo?) de 30 segundos, me apossei do caiaque laranja - meu faovorito - e aventure
i-me mar adentro.

A tempestade se via longe. Me dei a liberdade de avançar mais e mais. Procurava por uma ilha onde eu pudesse descansar, esperar pela noite, pelos meus perigosos e iluminados amigos: os raios.


Tempestade que se via longe.
Santa meteorologia, Robin!
Contrariando meus anos de experiência marítima e meteorológica, a tempestade me surpreendeu no meio do caminho.
Desconsiderei a direção do vento, bem como a densidade das nuvens, e o que se viu foi um ponto rechonchudo em um caiaque no meio do nada, envolto em uma cortina branca e densa de pingos grossos, flutuando nervoso em água salgada e revolta, motivado pela maior e mais primitiva força do universo, a que vem de dentro: o cagaço!

Como bem descreveu Gump lá no Vietnam, chovia de todos os lados. De cima, das laterais e até mesmo debaixo. Eu não podia ver 200 metros a frente e me guiei pela direção das ondas e dos pingos assassinos da chuva mortífera (ficou bem dramático assim?).
Onda após onda eu dizia (sim, em voz alta, inclusive): "agora, essa vai derrubar, segura!". E quando não derrubava, tudo o que eu conseguia fazer era olhar pra frente, remar mais forte e rir descontroladamente, qual Nero e sua lira contemplando Roma arder.

 E se é mesmo vero o dito de Mark Twain sobre coragem e ausência do medo, eu, ali, era o desgraçado mais corajoso de uma vasta área que vai de Betelgeuse até Ursa Maior.

A noite vinha chegando e então a cagada seria generalizada.
Quem me conhece sabe que eu não me acerto com o nosso amigo nazareno de 2.000 anos de idade, se você não sabe, então não me conhece, não tenha a pac... enfim. Acontece que, ante a morte iminente, eu cheguei a cogitar a hipótese de cogitar a hipótese de ir até a barra de menus celestial e clicar em ajuda... no entanto, em uma fração de milésimo de segundo, meu sistema neurológico se auto turbinou e, mesmo em uma situação tão adversa, eu pude pensar em todos os problemas da humanidade, problemas bem maiores que a minha morte certa, como conflitos étnicos africanos, crianças mutiladas por minas terrestres na Birmânia, e terríveis boatos sobre Ryan Reynolds protagonizar mais uma vez um segundo filme do Lanterna Verde.
Então, nosso amigo nazareno teve que esperar mais um pouco, não foi desse vez que eu furei a fila e entrei em contato.

Na minha cabeça eu já ouvia a Sonata No.2 in B flat minor, op.35 de Chopin, quando vi um punhado de rochas emergindo no meio do caminho. Me dirigi apressado até ali, posicionei o caiaque entre elas e, uma vez que as ondas estavam parcialmente bloqueadas pelas rochas, eu pude respirar e esperar o rififi marítimo amansar.

Com o pior já passado e a costa já a vista, eu lembrei da câmera e a saquei pra registrar alguma coisa... pro caso de pensarem ser estória de pescador.


Punhado de rochas emergindo do meio da água.
A essa altura eu já deveria estar com o nível de aventura no vermelho. Um ser humano normal voltaria para a segurança e aconchego dessa cadeira de onde vos escrevo agora... acontece que eu posso até ser normal, mas desconfio fortemente do meu grau de humanidade, então, me dirigi a uma prainha onde mal cabiam quatro caiaques, no meio das rochas de um morro ao qual chamam Morro do Forte. Ali, tinha a intenção de montar os equipamentos e tentar fazer valer todo o ocorrido, pegando ao menos um raio, unzinho que fosse.

Prainha onde mal cabiam quatro caiaques, no meio das rochas de um morro ao cual chamam Morro do Forte.

O problema é que o rififi até amansou, mas não cessou, e a chuva, chata, perpetuou.
Recolhi novamente os equipamento e me dei por vencido. Voltei pra casa sem fôlego, foto e dignidade.

Voltando pra casa sem fôlego, foto e dignidade.
Já em casa, beijei a testa das crianças que já dormiam, discuti feio com a esposa, falei o que não devia, escutei verdades dolorosas atiradas sem piedade no meu rosto pálido, cansado. Corri até o banheiro. Mal podia encarar meu próprio reflexo no espelho, abri o armário e minhas mãos, quase que magneticamente, encontraram os remédios... remédio que eu não precisei tomar por um longo período, mas que se faziam necessários nesse lapso de angústia e aflição por mais uma tempestade não registrada.

Já em casa, enxuguei os equipamentos e fui comemorar os trinta anos de Rambo, fazendo uma maratona com os quatro filmes.
O que eu não sabia era o que um certo grego - grego das antigas, cara - me reservava um espetáculo sem que eu precisasse andar 40 metros além do portão da minha casa. E foi assim que aconteceu.

Como diria o simpático e bizarro Dr Victor: "Raios e trovões!!!"
De casa, desanimado, eu ouvi o som, as primeiras notas, a orquestra de Zeus aquecia. Logo me aprumei, catei equipamento aqui e ali pela casa, porque sou mancebo demasiado organizado, veja você de novo!
Corri até a praia ao lado e a orquestra já ensaiava suas primeiras notas, clarões tímidos no horizonte.

Primeiro, a Abertura. Sim, sim, as cordas.



 

Agora, os metais.




O Crescendo!



  


O Gorgeio de Mannheim



A Grande Pausa...



Mais pausa...


Então, a Apoteose!

CABRUM!


Emocionado, recolhi o equipamento, voltei pra casa, joguei Imagem e Ação com as crianças, li O Pqueno Principe até que elas dormissem, fiz amor com minha esposa, sorri para o espelho e dormi. Dormi como não domia há muito. Dormi feliz.

Emocionado, recolhi o equipamento. Voltei pra casa... Dormi feliz.



5 comentários:

  1. Meu você é literalmente louco Ph!

    Me divirto horrores com seus textos, me emociono as vezes, mas nesse em específico, mais me parecia história de pescador!! hehe (não fosse as provas capturadas!)

    Belas provas diga se de passagem, mais uma vez Parabéns e triplamente (coragem, texto e fotos, podendo inverter as ordens delas!).

    Abraços

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  2. A história é ótima. Melhor é que vivo estás pra contá-la.

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  3. ... e o equipamento no caiaque à deriva? Devidamente protegido pelo sacquinho de supermercado?...Abraço. Paulo Brugger

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  4. Cara, que loucura maravilhosa! Inveja e inveja! Faça mais isso, com segurança, viu? Só para encantar a gente com tanta beleza!

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